2 de outubro de 2013

História da origem das histórias


Quando faço alguma oficina, gosto de começar com uma história que remeta à origem das histórias. As minhas prediletas são a do Pequeno Homem Aranha e a que segue. Espero que gostem! :)

COMO NASCERAM AS HISTÓRIAS
(Escrito a partir de temas de diversas histórias.)

Um conto de todos e de nenhum lugar, escrito a partir de vários temas tradicionais

Deus tinha se criado criador, então ele criava.
E tudo que criava, colocava na Terra. Seu único cuidado era compor um casal de cada espécie, porque ele não gostava de ficar se repetindo.

Numa bela manhã, Deus pegou uma bola de barro para moldar um homem e uma mulher. A grande invenção do dia era que os dois ficassem em pé. Ele os colocou no forno para cozer o barro, sentou-se na sua poltrona preferida e começou a roncar.
Um cheiro de queimado o tirou do sono. Ele abriu rapidamente o forno, mas… tarde demais! Suas criaturas estavam queimadas, negras da cabeça aos pés, cabelos frisados pelo calor… Ele as examinou, caiu na gargalhada e pensou: "Eis aí o mistério da criação! Elas são magníficas como as noites estreladas. Vou guardá-las!". E as colocou na África.
E Deus recomeçou sua obra: uma bola de barro, uma mulher, um homem, um forno… Novamente ele abriu… Cedo demais! Não estavam cozidos! Brancos, descorados, frágeis, cabelos pálidos… Mas quando a mulher abriu os olhos, claros e azuis como o mar de verão, Deus, que é um homem, logo se apaixonou! Ele achou a mulher bela como a manhã. E deixou essas duas criaturas na Europa.
Desta vez, Deus quer acertar o ponto do cozimento. Nas duas bolas que pega, coloca um pouco de páprica em uma e, na outra, um pouco de curry. Ele molda duas mulheres, dois homens e manda para o forno. Agora, já sabe o tempo certo de cozimento, a temperatura correta. Ele abre e… estão no ponto!
Duas têm cor de cobre, e ele as coloca na América. As outras duas, que são mais douradas, vão para a Ásia.
Deus fala:
- Não há mais lugar na Terra. Devo parar com as minhas criações. Ou talvez eu possa criar algo que não ocupe espaço…
E inventa o conceito. Um conceito é como uma ideia, e uma ideia não ocupa lugar algum.
Deus encontra uma panela, coloca nela os ingredientes (que já não sabemos mais quais são) e decide que o primeiro conceito se chamará conceito de amor… Ele não sabe direito para que isso servirá, então o experimenta, depositando um pouco dessa mistura nas costas do senhor e da senhora Tartaruga. E observa.
O senhor Tartaruga logo sobe nas costas da senhora Tartaruga, eles esperneiam um pouco e acabam dormindo aconchegados… Não tem muita graça, Deus pensa, e acaba esquecendo seu conceito.
Algumas semanas depois, Deus vê ao lado do senhor e da senhora Tartaruga três tartaruguinhas que ele, Deus, não criara!
"Se esse conceito de amor permite que outras tartarugas apareçam, essas tartaruguinhas vão criar outras tartarugas, que vão criar… Bom, a Terra logo estará lotada de tartarugas! Esse conceito do amor é uma catástrofe!", reflete.
No entanto, o senhor e a senhora Tartaruga, cheios de amor, enchem seus bebês tartarugas de carinho… Estão felizes e muito apaixonados!
Os outros animais vão conversar com Deus:
- Nós também queremos conhecer o conceito de amor. Nós também queremos ter bebês!
- Não, não é possível - responde Deus. - Se vocês fizerem bebês, eles vão fazer outros bebês, que vão fazer bebês, que… E a Terra vai explodir sob os pés de todos!
- O problema é seu. Nós queremos bebês!
Deus inventa um novo conceito:
- Se vocês querem bebês que um dia farão outros bebês, vai ser preciso que desocupem o lugar e desapareçam definitivamente!
Deus acaba de inventar o conceito da morte…
Mas os animais refletem e, no dia seguinte, os chimpanzés falam para Deus:
- Não ligamos para a morte, nós queremos bebês!
E logo surgem chimpanzés que fazem toda a floresta rir.
A senhora Girafa pega o senhor Girafa, que vive sempre com a cabeça nas nuvens, e vai se encontrar com Deus:
- Nós queremos bebês!
- O quê? O senhor Girafa se assusta.
- Fique quieto! Você faz os bebês comigo e, se não gostar, pode ir embora depois. Não tenho medo de ser mãe solteira!
As girafinhas chegam! E para o senhor Girafa elas são mais lindas do que suas nuvens preferidas...
O senhor e a senhora Hipopótamo vêm logo depois… Deus acha que esta criação não deu muito certo e que seria melhor parar por ali… Mas logo vê o senhor e a senhora Rinoceronte esperando por sua vez e percebe que beleza não é tudo na vida. Então, concorda em entregar a parte que lhes cabe no conceito de amor. E cada casal, assim, passa diante de Deus.
Os humanos fazem o que lhes dá na veneta… A senhora Branca acha o senhor Branco sem graça e se enamora do senhor Negro; a senhora Negra sai com o senhor Vermelho, a senhora Vermelha fica apaixonada pelo senhor Amarelo e a senhora Amarela se contenta com o senhor Branco.
Deus ruge:
- Eles estão misturando minhas criações! Que ousadia! Mas quando os bebês dessas misturas nascem, Deus, que é um esteta, reconhece que, do ponto de vista artístico, o resultado dera muito certo. E então ele não se importa mais...
Assim, a vida continua com seus nascimentos e mortes.
Certo dia, Deus nota a existência de uma pedra:
- Pedra! Você foi a única que não me pediu crianças!
- Detesto crianças - resmungou ela. - Não quero crianças! Quero ser eterna!
E é por isso que na Terra só a pedra é imortal: porque ela recusou sua parte de amor e de felicidade. E também por isso é costume dizer que quando alguém é malvado, tem "um coração duro como pedra".
O tempo passa. E, certo dia, uma delegação de pais vai procurar Deus:
- As crianças são adoráveis, mas dão um trabalhão danado! Deus, você precisa inventar um conceito que as deixe tranquilas durante algumas horas por dia e que também as faça dormir!
Deus repara as olheiras de cansaço dos pais e percebe que precisava fazer algo urgentemente.
Coloca em sua grande panela tudo que lhe cai nas mãos: projeto de invenções, ideias esquecidas, sonhos loucos, besteiras de crianças... Faz uma mistureba, prende rapidamente com barbante e dá alguns pacoinhos para os pais:
- Contem isso para eles, é um novo conceito que se chama histórias!
Os pais contam as histórias para seus filhos... E funciona!
Enquanto escutam, as crianças ficam calmas. Às vezes, até dormem. E dá para fazer alguns acordos:
- Se você arrumar seu quarto, posso lhe contar duas histórias esta noite. Se não tomar a sopa, não vai ter história.
O quarto é arrumado e a sopa, devorada!
Essas crianças crescem... têm filhos... e se lembram das histórias que seus pais contavam. E as contam para seus filhos, que as contam para seus filhos, que...
E Deus fica contente! A pedra não é a única imortal. As histórias também são eternas. Elas viajam de boca em boca, se misturam, se metamorfoseiam, seguindo seu caminho por toda a eternidade...
Catherine Gendrin e Laurent Corvaisier. Volta ao mundo dos contos nas asas de um pássaro. São Paulo: Edições SM, 2007.

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