E a lenda é assim...
O pássaro estranho
O grande deus Tanê tem o hábito de passear pela floresta, como um pai que busca notícias sobre seus filhos. Mas, certo dia, fica com um nó na garganta de tanta preocupação.Tanê percebe que sua bela floresta está infestada de insetos que roem as árvores. Todas começam a perder sua bela folhagem, seus galhos ressecam. Tanê se desespera. Suas filhas queridas, que ele criou uma a uma, estão sendo atacadas por bichinhos infames (e não foi ele quem os criou!). Como resolver esse problema?
Tanê tem uma ideia. Pede a seu irmão, o deus dos pássaros, que convoque todos eles para lhes fazer um pedido. Todos os pássaros, pequenos e grandes, se reúnem entre o chão e a copa das árvores, batendo das asas.
- Como podem ver, os insetos estão fazendo as árvores apodrecer - começa Tanê. - Logo a floresta estará seca e morrerá... Um de vocês deverá se sacrificar pelo bem de todos. Preciso que um de vocês venha viver na terra para nos livrar desses insetos. Quem aceita descer?
Um grande silêncio se instaura. Os pássaros se entreolham, abaixam os olhos para o chão... Tanê se dirige ao pássaro Tui:
- Tui, você descerá da copa das árvores?
Tui olha para cima, sente a luz do sol que se infiltra pelas folhas e, embaixo, vê a terra fria e úmida.
- É sombrio demais - murmura Tui. - Tenho medo do escuro...
- E você, pássaro Pukeko, o que diz?
- É... é úmido demais... Meus pés não aguentam a umidade... - cochicha Pukeko.
- E você, pássaro Pipiwharauroa? - pergunta o deus das florestas.
- Mmm, mmm... - Pipiwharauroa busca as palavras. - É que... neste momento, estou muito ocupado... Tenho que construir o ninho da minha família...
O silêncio se instala navalmente. E a tristeza aumenta no coração de Tanê e de seu irmão. Eles sabem que as árvores vão morrer e que os pássaros não terão mais casas para se abrigar e construir seus ninhos.
Tanê, numa última esperança, se volta para o pássaro Kiwi:
- E você, Kiwi? Vai descer da copa das árvores?
É a vez de Kiwi lançar um olhar aos raios do sol que cintilam nas folhagens. E à sua família, que está ali em volta. E à terra, lá embaixo, escura, fria e úmida.
- Sim, vou descer - declara ele, com grande entusiasmo.
A alegria e a esperança enchem o coração dos dois irmãos. Mas Tanê, o sábio, previne a pequena ave:
- Kiwi, você precisa saber que suas pernas ficarão fortes e grossas. Sua bela plumagem vai se transformar. Suas asas vão cair. Nunca mais você poderá voar. Nunca mais verá a luz do Sol...
O silêncio é profundo. Os pássaros baixam a cabeça.
- Então, Kiwi, você continua disposto a deixar a copa das árvores?
O coração de Kiwi bate forte no pequeno peito. Olha uma última vez para o sol, que acaricia as folhas, e lhe diz adeus. Pela última vez ele admira as plumas coloridas e as asas de seus irmãos, e também lhes diz adeus.
- Sim, continuo disposto - sopra ele para Tanê.
O deus se dirige aos pássaros reunidos:
- Tui, já que você tinha tanto medo de descer à Terra, de agora em diante levará duas penas brancas no pescoço. É a marca da covardia... Pukeko, você, que não gosta de molhar os pés, viverá para sempre na umidade! E você, Pipiwharauroa, que estava tão ocupado construindo um ninho, de agora em diante não precisará mais fazer isso, porque deixará seus ovos nos ninhos dos outros! Quanto a você, Kiwi, que aceitou se sacrificar, se tornará o pássaro mais célebre e mais amado do país...
Claire Merleau-Ponty e Cécile Mozziconacci. Tradução de Marcos Bagno. Histórias dos Maori: um povo da Oceania. São Paulo: Comboio de Corda, 2007. pp. 59-63.
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